Não há dúvidas de que galinhas e pinguins são duas espécies de aves distintas. Ou que um pé de milho e uma roseira são plantas diferentes. E até mesmo chimpanzés e nós, humanosjoguinho do tigre demo, constituímos duas espécies distintas, embora biologicamente próximas.
Isso porque essas espécies evoluíram de um ancestral comum e se diferenciaram no tempo, acumulando mudanças genéticas expressas tanto na forma morfológica quanto nos hábitos ecológicos de cada uma, tornando-as únicas. No caso dos humanos e chimpanzés, o ancestral comum mais recente viveu há seis de milhões de anos em algum lugar na África, de onde se originou toda a diversidade de primatas hominídeos atual e extinta.
Ilustração mostra uma águia de Haast atacando duas moas, aves não voadoras da Nova Zelândia que podem ter alcançado mais de 200 kg de peso; as duas espécies foram extintas - John Megahan/Public Library of Science/Creative CommonsMas e quando essa separação ocorreu há bem menos tempo em populações sem características suficientes que permitam uma diferenciação a olho nu? Como os cientistas definem o que constitui duas espécies distintas?
Para os cientistas, a dificuldade reside em encontrar características diagnósticas robustas, seja no nível morfológico, genético ou comportamental, que justifiquem a separação taxonômica dessas populações em espécies distintas.
"A raiz do problema da conceituação de espécie é que a evolução gera descontinuidades na natureza, e são essas descontinuidades que são identificadas por meio de caracteres diagnósticos —morfológicos, ecológicos etc.— e, quanto mais perto do evento de especiação [processo de origem dessas espécies], mais confusa fica a separação entre elas", explica o mastozoólogo e professor titular do departamento de genética e biologia evolutiva da USP Gabriel Marroig.
Quando duas populações divergiram há pouco tempo, as variações acumuladas entre elas podem ser mínimas. "Em teoria, um ou dois genes já são suficientes para separar uma espécie da outra, mas essa pode ser uma estimativa grosseira se você olhar apenas para o gene e não para o todo daquela espécie, porque no futuro, se elas voltarem a trocar genes e se misturarem, a separação não ocorreu", afirma.
Em contraste, linhagens evolutivas mais antigas oferecem exemplos muito mais claros de diferenciação como, por exemplo, o chimpanzé e o ser humano.
"Embora eles sejam muito parecidos, tanto do ponto de vista genético quanto morfológico, a separação [ou seu ancestral comum] já está lá atrás, então não há mais a confusão. Mas existem inúmeras linhagens que podem voltar atrás, em que você pega o processo ainda acontecendo, e aí como essa história é contada depende do que cada pesquisador julga ser relevante ou não", diz o docente.
Leia tambémTaxonomia, ciência que identifica novas espécies, corre risco de extinção
Recursos escassos e falta de interesse de novas gerações tornam profissionais da área cada vez mais raros
Coleções científicas ajudam a entender vida na Terra, mas correm risco por falta de verbaAcervos guardam milhões de exemplares que representam fauna e flora passada, presente e futura
Mamíferos evoluíram postura ereta tardiamente na sua históriaEspécies ancestrais tinham corpo similar ao de lagartos ou crocodilos, com membros ao lado do corpo
Cientistas descobrem criatura brilhante que vive nas profundezas do oceanoNovo tipo de nudibrânquio tem até 15 centímetros, flutua sem esforço e é hermafrodita
Essas separações recentes colocam os pesquisadores diante de "zonas cinzentas" evolutivas.
ZA9BET - O Cassino Confiável para Você - 100% seguroClaudia Russo, professora titular do Laboratório de Biologia e Genômica Evolutiva e coordenadora do curso de pós-graduação em genética da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que a ideia de diferenciar os organismos em "caixinhas" pode trazer problemas quando falamos de organismos em processo de especiação, uma vez que a transformação não é imediata, é contínua.
Ao longo do tempo, descendentes de uma população que acumulam mudanças vão ser tão distantes das demais ao seu redor que não será mais possível reproduzir. Barreiras geográficas –como um rio ou uma montanha– ou reprodutivas –incompatibilidade morfológica, comportamento– impedem o cruzamento entre as populações, e aí não há mais troca de genes e ocorre a especiação, afirma Russo.
Muito do que foi descrito no passado em termos de especiação foi com base também em organismos que praticam reprodução sexuada, isto é, quando há a troca de genes entre dois indivíduos do sexo oposto.
"Buscamos encaixar essa dicotomia em todos os organismos vivos para determinar o número de espécies conhecidas, e é aí que complica, porque embora possa ser ‘simples’ lidar, por exemplo, com mamíferos, com outros organismos, como bactérias, pode ser mais complicado, e aí essas definições não são tão claras", explica a pesquisadora.
Recentemente, novas ferramentas tecnológicas, como análises genéticas de alta resolução e estudos ecológicos detalhados, têm permitido aos biólogos estudar mais de perto os processos de especiação responsáveis pela formação de diferentes espécies.
Jeff Streicher, curador sênior da Coleção de Anfíbios e Répteis do Museu de História Natural de Londres, lembra da importância das árvores genealógicas moleculares para a identificação de novas espécies. "Um exemplo é a diversidade recente de espécies de anfíbios no Brasil que, até a última década, muitos herpetólogos consideravam poucas dezenas de espécies e, agora, com novas ferramentas moleculares, foi possível verificar a existência de diferentes espécies e compreender os padrões de distribuição delas."
A construção de árvores genealógicas —chamadas de filogenias— busca entender as relações de parentesco entre as espécies. No passado, e para a grande maioria das espécies fósseis, essas relações foram construídas com base em caracteres morfológicos, isto é, diferenças anatômicas entre visíveis entre elas.
No caso das filogenias moleculares, os cientistas podem usar alguns poucos genes como marcadores —principalmente aqueles conhecidos por serem mais conservados entre os grupos— ou o sequenciamento de grandes frações do genoma para obter suas filogenias. "Para um determinado marcador, se eu sei que a variação intraespecífica vai até 0,2% de diferença, a partir daí é provável que seja uma espécie nova", diz Russo.
"Mas há hoje, também, uma abordagem mais integrativa, onde você pode ter um conjunto de dados, alguns formados por caracteres genéticos, outros morfológicos, outros ainda ecológicos, e você busca identificar a correspondência entre eles em toda aquela diversidade", diz Streicher.
Independentemente da ferramenta escolhida, o objetivo aqui não é apenas designar novas espécies em uma ação meramente descritiva, mas buscar se aproximar cada vez mais da história evolutiva daquele grupo. Com cerca de apenas 10% de toda a biodiversidade existente conhecida –e um ritmo de extinção cada vez mais acelerado, causado por ação humana e alterações climáticas no ambiente–, os cientistas concordam que estão em uma corrida contra o tempo no processo de descrição das espécies.
"Não podemos perder a perspectiva de que aquele é um fenômeno real que você quer descrever. Na ciência, é fundamental sempre procurar se aproximar do mundo real da melhor maneira possível", completa Marroig, da USP.
benefício do assinante
Você tem 7 acessos por dia para dar de presente. Qualquer pessoa que não é assinante poderá ler.
benefício do assinante
Assinantes podem liberar 7 acessos por dia para conteúdos da Folha.
Já é assinante? Faça seu login ASSINE A FOLHARecurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Leia tudo sobre o tema e siga:
animais ciência meio ambiente universidade sua assinatura pode valer ainda maisVocê já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!
fortune tiger sua assinatura vale muitoMais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?
ASSINE POR R$ 1,90 NO 1º MÊS Envie sua notícia Erramos? Endereço da página https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2025/01/definicao-do-que-e-uma-especie-ainda-divide-biologos.shtml Comentários Termos e condições Todos os comentários Comente Comentar é exclusividade para assinantes. Assine a Folha por R$ 1,90 no 1º mês notícias da folha no seu emailRecurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Consulte, baixe, altere o vencimento e obtenha o código de barras para sua fatura online. Acesse e resolva assuntos financeiros de maneira fácil e rápida com o app Minha ZA9BET. Acesse Minha ZA9BET. Simples, Rápido e Seguro. Governo federal reduz verba contra desastres em meio à crise climáticaOrçamento da União de 2025 prevê R$ 1,7 bilhão para 039;gestão de riscos e desastres039;, valor R$ 200 milhões inferior ao de 2024; Congresso também reduziu emendas
6.jan.2025 às 23h00 violênciaRecurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Guarda-civil se entrega em Osasco; PM confirma morte do secretário-adjunto de segurançaAtirador se entrega após quase duas horas de negociação; briga começou após reunião de segurança
6.jan.2025 às 18h24 fortune tigre FilmesRecurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
039;Premiaram a alma do filme039;, diz Walter Salles sobre vitória de Fernanda TorresDiretor de 039;Ainda Estou Aqui039; também afirma que filme luta por duas indicações no Oscar, mas que ele continua cético
6.jan.2025 às 23h00Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.
Modal 500O jornalnbsp;Folha de S.Paulo eacute; publicado pela Empresa Folha da Manhatilde; S.A. CNPJ: 60.579.703/0001-48
NEWSLETTERCadastro realizado com sucesso!
OkPor favor, tente mais tarde!
Ok